POLÍCIA QUER (RE)EDUCAR OS PARTIDOS

Segundo o órgão oficial do MPLA (Jornal de Angola) o Comando Provincial da Polícia Nacional em Benguela está a desenvolver uma estratégia específica para prevenir o surgimento de casos de intolerância política, no âmbito da promoção da tolerância, preservação da paz e respeito pelo património público. Ninguém melhor do que o órgão policial do MPLA para saber o que se passa dentro da própria… casa.

Para o efeito, escreve o JA, o comandante provincial da Polícia Nacional, Aristófanes dos Santos, vai manter em breve um encontro com os líderes dos partidos políticos, sediados na província, para auscultar, recolher opiniões e orientar, de forma metodológica, as lideranças, sobre a melhor postura que um cidadão, militante ou não de uma força político-partidária, deve observar, durante o período da realização das eleições, previstas para este ano. Será uma espécie de curso intensivo de Educação Patriótica.

O encontro vai servir também como pilar orientador, para que os partidos políticos olhem as eleições como uma festa daquilo que não existe – democracia, em conformidade com a Constituição da República de Angola.

Aristófanes dos Santos defende a promoção de uma cultura de respeito, na base da cidadania e do patriotismo, sendo que os líderes partidários assumem um relevante papel nesse propósito.

Segundo o porta-voz do Comando Provincial da Polícia Nacional, em Benguela, Ernesto Tchiwale, o encontro, o primeiro do ano, ficou sem efeito, por razões administrativas e afinamento dos conteúdos, que vão ser abordados com os participantes, em data a definir.

O Jornal de Angola foi intimado a escrever que desse curso intensivo “consta uma abordagem sobre os modelos de realização de actos de manifestação, passeata e marcha, de modo que, nos próximos tempos, tais actividades não incitem à violência e embaraço nas comunidades ao ponto de perturbar a ordem e a tranquilidade públicas, à semelhança dos anos passados”.

De acordo com o JA, o jurista Domingos Chipilica Eduardo considerou fundamental haver maturidade política, visto que os partidos políticos têm uma responsabilidade acrescida, face ao bom andamento e realização dos processos eleitorais.

Os actores políticos devem elevar o nível de responsabilidade, para evitar espírito vingativo e não olhar, simplesmente, para a necessidade do alcance do poder, como o único elemento de interesse.

O encontro está a ser, segundo o JA, aguardado com expectativa, por parte dos líderes dos partidos, políticos, quer seja com assento parlamentar ou não, como referiu o secretário provincial do Bloco Democrático, Zeferino Kuvingua: “É um momento oportuno para que o BD apresente o seu posicionamento sobre os vários assuntos, antes do período das eleições”.

Já para Martins Domingos, secretário executivo provincial da CASA-CE, “significa um exercício de democracia, em que as diferentes instituições públicas e políticas se sentam à mesma mesa, para definirem uma estratégia, com zelo e responsabilidade, do período eleitoral, dados os ânimos emocionais que alguns militantes apresentam”.

Em Março de 2018, as Forças Armadas Angolanas foram exortadas, no Huambo, a “revestir-se” (o termo é da Angop) de alto sentido de fidelidade patriótica que conduz a nunca trair o juramento prestado à Bandeira Nacional e os interesses superiores da Nação. Hoje, tal como ontem, importa manter na ribalta a “educação patriótica”, seguindo as metodologias das ditaduras.

A exortação veio do então Chefe do Estado-Maior General adjunto das FAA para Educação Patriótica, general Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, quando falava na abertura do 16º seminário metodológico dos órgãos de Educação Patriótica das FAA, que decorreu sob o lema “Pelo reforço da organização e disciplina – revitalizemos o trabalho de educação patriótica das FAA”.

O general lembrou aos militares que ao abandonarem a unidade onde estiverem colocados ou a farda a si atribuída por imperativo do compromisso assumido com à Pátria, cometem acto de deserção, susceptível de constituir crime militar, por ser infiel ao seu juramento.

“O militar que age desta forma não é um patriota que esteja realmente comprometido com a defesa dos mais altos interesses da Nação angolana e nem é digno de ser considerado um bom cidadão, capaz de contribuir com o seu esforço na defesa da independência nacional, da integridade do solo pátrio, nem tão pouco no desenvolvimento económico-social do país e do bem-estar da população”, asseverou o general nesta lição de patriotismo.

Incorrem no mesmo crime, segundo Egídio de Sousa Santos, os indivíduos que colaboram com este tipo de militares, facilitando a sua colocação noutras unidades, sem a prévia anuência do comandante da unidade de origem, visto que a instituição castrense existe para cuidar do homem em todas as suas dimensões, designadamente física, espiritual, moral e humana.

Neste sentido, o responsável militar orientou os órgãos de Educação Patriótica a trabalhar, de forma conjunta com os de Educação Jurídica, para elevar os sentimentos de patriotismo, civismo, liberdade e de justiça.

O general afirmou que os órgãos de Educação Patriótica são importantes ferramentas para que o efectivo tenha um comportamento baseado no cumprimento da missão na estrita observância consciente das normas e regulamentos militares.

“Esta coordenação entre os órgãos patrióticos e jurídicos das FAA deve ser comparada aos fármacos combinados no organismo humano, quando se pretende combater determinadas enfermidades, de modo a que os oficiais, sargentos e praças compreendam e aceitem a observância das normas da vida castrense que em nenhuma outra instituição social se podem exigir”, disse.

Participaram no seminário, comandantes adjuntos para Educação Patriótica dos três ramos das FAA (Exército, Força Aérea e Marinha de Guerra), chefes das direcções de educação patriótica, das repartições da direcção principal desta área e comandantes adjuntos das unidades de subordinação central.

Desde a barriga da mãe

Perante a necessidade patriótica, talvez fosse aconselhável instituir, com força de lei, a obrigatoriedade da educação patriótica começar logo quando as nossas crianças ainda estão na barriga da mãe.

Por alguma razão a Organização Nacional de Pioneiro Agostinho Neto almeja apostar na educação patriótica, cívica e moral das crianças angolanas, sendo estas o futuro do país. Na Coreia do Norte o sistema é o mesmo e funciona. Portanto…

Em tempos, curiosamente também no Huambo, a então secretária nacional para a organização de quadros da OPA, Maria Luísa, disse que a continuidade do processo de desenvolvimento de Angola passa, necessariamente, por uma boa educação das crianças em todas as vertentes.

E educação tem de ser “patriótica”? Pelos vistos, sim. Não basta ser educação. Maria Luísa realçou ainda que a família desempenha um papel preponderante na educação patriótica, moral e cívica dos menores, para melhor se integrarem na sociedade. Apelou também às crianças para se dedicarem à formação académica, com vista a participarem, no futuro, activamente no processo de desenvolvimento do país.

Oficialmente o objectivo desta massiva campanha de patriotismo tem como objectivo elevar o espírito patriótico dos menores, bem como dar a conhecer os benefícios da independência. Tal e qual como nos tempos da militância marxista-leninista do pós-independência (11 de Novembro de 1975), o regime do MPLA continua a reeducar o povo tendo em vista e militância política e patriótica… no MPLA.

De facto, tanto a militância política como a patriótica são sinónimos de MPLA. E a educação patriótica começa ainda dentro da barriga da mãe. Ou até antes, se for possível. Basta ver, mas sobretudo não esquecer, que o regime mantém, entre outras, a estrutura dos chamados Pioneiros, uma organização similar à Mocidade Portuguesa dos tempos de um outro António. Não António Agostinho Neto mas António de Oliveira Salazar.

Num Estado de Direito, que Angola diz – pelo menos diz – querer ser, não faz sentido a existência de organismos, entidades ou acções que apenas visam a lavagem ao cérebro e a dependência perante quem está no poder desde 1975, o MPLA. Dependência essa que, como todas as outras, apenas tem como objectivo o amor cego e canino ao MPLA, como se este partido fosse ainda o único, como se MPLA e pátria fossem sinónimos.

Por norma os trabalhos de lavagem cerebral dos putos e dos jovens incide sempre sobre os “princípios fundamentais e bases ideológica do MPLA”, os “discurso do Presidente” (antes de José Eduardo dos Santos e agora de João Lourenço), os “princípios fundamentais de organização e funcionamento da MPLA” e “o papel da juventude na conquista da independência Nacional e na preservação das vitórias do povo angolano”.

Nem no regime de Salazar se fazia um tão canino culto do regime e do presidente como o faz o MPLA, só faltando (e já esteve mais longe) dizer que existe Deus no Céu e o MPLA na terra. Não nos esqueçamos, por exemplo, que o regime tem comandantes militares cuja exclusiva função é a Educação Patriótica.

Tantos anos depois da independência, 20 depois da paz, a estrutura militar e civil do regime continua a trabalhar à imagem e semelhança dos Khmer de Pol Pot. Nos anais da história do regime, tal como na do anedotário nacional, consta uma intervenção, Setembro de 2009, em que o substituto do comandante da Região Militar Norte para Educação Patriótica do MPLA, Coronel Zeferino Sekunanguela, enaltecia, no Uíge, o contributo do primeiro presidente de Angola, António Agostinho Neto, na luta de libertação nacional. O oficial superior da tal “Educação Patriótica”, que falava na palestra sobre “Vida e obra de Doutor Agostinho Neto”, disse que Neto foi o Fundador do movimento nacionalista, da Nação angolana e contribuiu para a luta de libertação nacional.

Assim sendo, “Educação Patriótica” é sinónimo do culto das personalidades afectas ao regime do MPLA, banindo da História de Angola qualquer outra figura que não se enquadre na cartilha do partido que, cada vez mais, não só se confunde com o país como obriga o país a confundir-se consigo.

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